Papia...


A luz escorre entre as folhas molhadas e vem pelo chão até mim. Com os primeiros raios do dia os nossos perfis começam a surgir. As manhãs acordam assim, intermitentes nos passos, constantes no som do mundo que espera por nós à porta de casa. O sol sobe e a minha sombra aumenta. Saboreio as silenciosas formas de vida antes de iniciar caminho. O céu canta para nós.
...
Chego e entrego o corpo à esteira. Agosta espera-nos sentada na sua cadeira, os seus pés pequenos balançam sem chegar ao chão. Daqui a pouco preparar-nos-á o jantar. Eu como e escuto as gotas que escorregam no telhado. Gean acompanha o ritmo com a guitarra. Levo os lábios a um doce sabor e deixo as palavras serem a expressão da minha paz. Sinto-me bem aqui, gosto do que estou a fazer, de olhar os dias sem os contar, sem querer chegar ao seu depois. Admiro o que veio ao meu encontro, o que aprendo e descubro...

Paisagem...

Baobá - cabaceira


Plantação de arroz

O meu sítio preferido

Pelas tardes demoro-me entre o verde... Graças à chuva a paisagem torna-se mais viva e as cores renovam-se enquanto o dia passa. Passeio pelas ruas e vou aos campos onde até ao anoitecer as mulheres trabalham na lavoura. Repouso na ponte e vejo um pescador que parte para a casa depois de estender a sua rede vezes sem conta. Os meus passos saltitam entre as poças de água, entre a lama que arrasta o lixo e uma ou outra companhia inesperada. No silêncio da vida agradeço estes instantes...

"That's it, job done!"...

Esta parede está quase!

Parede que representa o dia terminada!

A esta cara ainda lhe falta um pouco de cor!

A descansar...

A parede feita pelo Jean


E o trabalhito vai andando! Dia a a dia vamos vendo o resultado enquanto as cores se misturam nas paredes e dão forma às ideias anteriores e aos rabiscos improvisados. Para trás ficam umas salas escuras, sujas e sem qualquer tipo de espírito ou calor. Aumenta a nossa expectativa para ver a reacção dos miúdos. De vez em quando um ou outro curioso lá espreitam. Jo, o artista de pingo permanente no nariz, coloriu um destes ideias todos os papéis que estavam numa mesa.
Os dias na escola são animados pela chegada, onde todos se saúdam animadamente. Entre as primeiras pinceladas e a preparação da "ordem dos trabalhos" chega a hora do "mata-bixo"! Pequeno-almoço composto por pão com chocolate ou compota de manga e chá. Daí cada um segue para o seu labor. Eu pressinto a luz a entrar pelas janelas enquanto os meus olhos se prendem às paredes. As mãos mudam de cor, a roupa também. A meio da manhã pausa para repor energias. Saio da escola e vou cumprimentar quem ali ao lado vende todos os dias. Pode ser manga, mancára ( amendoim ) ou castanha de caju. A minha compra geralmente é a bela da manga! Numa outra sala Teresa (responsável pela escola) canta enquanto varre o chão. Lá fora os rapazes partem pedra para se cimentar de novo a sala exterior. A meio da tarde chega a hora de ir para casa. Aceno sorrindo a quem fica: Até amanhã!

Momentos...





Trabadju...








Casa...




Assim é o meu recanto em terras africanas. Modesto e acolhedor. Com vista para o campo e muita companhia. A água corrente é efémera, aproveitamos quando chove para encher os baldes ou então faz-se circuito até ao poço. Não há electricidade, a partir do pôr do sol jantamos e lemos à luz da vela. Adormeço com os grilos entre as 21 e as 22H e desperto com as galinhas. Respira-se tranquilidade...

Simplicidade...

@Ana

@Margherita

A brincar, a brincar o tempo lá vai e já estou na Guiné há um mês. Fui-me adaptando dia-a-dia, pouco a pouco, em passos lentos mas seguros. Passei os primeiros testes: nada de diarreia, febre ou problemas com o calor. Receberam-me de forma simples e calorosa, sempre com um sorriso e com muita curiosidade. Confesso que nos primeiros tempos estava perdida, sem saber como corresponder ao que esperavam de mim, sem saber o que fazer e como fazer. Margherita ajudou-me muito, quase sem o saber. Comecei por questionar... O que é ajudar? O que é dar? A necessidade leva ao abuso? Confiar ou resguardar?
Olhando para as minhas mãos silenciosas e suadas fui-me descobrindo. Aceitei a pobreza, a falta de meios, o lixo, a aparente apatia e lentidão com que se fazem as mudanças... Ancorei-me aos sorrisos e a quem todos os dias me dava um bom dia ruidoso. O trabalho inicialmente ficava-se pela limpeza: o chão, a terra, as salas de aula, os bancos em cimento construídos à uma semana. Fui buscar areia, água ao poço, arranquei ervas, mudei carteiras. Nas duas últimas semanas tenho estado a desenhar e a pintar as salas de aula para as crianças que ali estudam. Uma minoria"priveligiada" pois as famílias têm de pagar uma mensalidade. Para Setembro, se tudo correr bem, vou dar aulas de português para a 3ª e 4ª classe. Até lá é necessário arranjar as mesas, cadeiras, terminar o chão da sala exterior e preparar a horta e um pouco do parque infantil. Pelas tardes passeio, vou ao mercado, estou com as pessoa e aprendo crioulo. Conheço e dou-me a conhecer. Vivo o som dos pássaros, o sol das 7 da manhã, a chuva do fim da tarde, a música do vizinho. As crianças aparecem à minha porta diariamente. Jogamos e rimos, desenha-se no chão a macaca, canta-se uma canção, faz-se ginástica. Dizem-me até logo a delirar porque sabem que amanhã poderão ter-nos ali. A vida corre assim, ao sabor tranquilo da natureza, a respirar as diferenças e a sentir que ser feliz é simples...