Caminhar caminhar...

Um instante entre os 36 km
Os grandes Baobas
Sentir...

Outras companhias em direcçao oposta

Calor africano


Bissora - Olossato: 16km
Olossato - Bissora: 16km
Ando. Pelos caminhos de areia sem fim procuro descobrir as palavras que sei que tenho em mim. Ao longo dos campos reparo na vida que vai e vem levada pelo sol, pela abstinencia silenciosa de quem deixa a sua força entregue à terra.
Os meus pes nus, queimados pela ansia do ir. Gosto do tempo parado na esteira. Os homens conversam à sombra. As mulheres tecem o cabelo em gestos suaves. Viajam as moscas numa pressa suspeita. Talvez hoje se adormeçam as angustias que habitualmente se levam entre as cabaças.
Chego a casa. Fraquejo nas pernas. Tremem as minhas maos. Consegui...

Farim...

Deitada na estrada...


A grande carrinha dos 4 pneus furados

A dona do Djodji

Na esteira...

A casa da avo do Djodji

A travessia no rio Cacheu

No dia 24 deste mes comemorou-se o dia da independencia da Guine-Bissau. Nada melhor para comemorar do que ir dar um passeio! Rumo a nordeste em direcçao a Farim. para la chegar desvio ate Mansoa e Mansaba. Saimos de casa as 5h30, ainda o sol dormia. A nossa espera um camiao que nos levaria ate Mansoa, onde era dia de mercado. Coube-nos o lugar atras do condutor, naquela que é habitualmente a sua cama. Por volta das 6H30 seguimos viagem. Talvez a pior estrada que percorri até agora... Em areia e com buracos em todo o trajecto. Uma distancia de meia hora que se fez em 1H30. Viajar por estes lados é diferente...
Pequeno-almoço em Mansoa. Ao lado de um posto de Nescafé, pao para dois, futi ( arroz com legumes e oleo de palma ) para outro. Depois de uma hora de espera a ver a feira a crescer conseguimos boleia para Farim. Mais 2h de estrada.
Farim: terra quente colonizada pelos nossos avos e com principios humildes de organizaçao urbana. Mais limpa que Bissora. Djodji cumprimentando os amigos. Eu descobrindo um outro local, novas pessoas, os mesmos habitos. A meio da vila um desvio em direcçao a casa da dona ( avo ) do Djodji. De etnia Fula vive numa pequena casa redonda com duas portas e um unico corredor. Simplicidade e harmonia. Oferecem-nos a esteira para descansar à sombra da arvore. As crianças vaoo chegando timidamente. Conversmos e conhecemo-nos.
Passa o tempo e a partida impera de novo. Na paragem o condutor ambicioso faz-nos pagar bilhete ate Bissau, embora a nossa saida fosse em Mansoa. Aceitamos resignados. A caarinha leva 20 e poucas pessoas. Justiça divina ou estranha coincidencia: um pneu rebenta. Troca e segue-se em frente. No mesmo lado o pneu viria a rebentar mais tres vezes...
Na ultima delas estavamos algures entre Nhacra e Bissau, sem luz, sem agua e com pouca comida. Deitamo-nos no alcatrao esperando um milagre. Rimos enquanto as mulheres Balanta passavam alegres e alcoolizadas depois de terem ido pescar. A palavra aventura ganhava outra dimensao...
Dedo esticado e a boleia la chegou. O carro de 7 lugares levou 9 pessoas ate Bissau. As 22h terminava a nossa jornada com uma sandes de ovo cozido e um santo descanso!

Cume...

Arroz com caldo branco - peixe, oleo e cebola


A preparar legumes...

Legumes, manga e milho

Almoço - salada de pepino com moringa, ovo, cebola e limao


Guisado de carne de vaca com batatas

A culinaria guineense rege-se de acordo com ciclo de culturas vegetais e com a criaçao de animais: porco, vaca, cabra e galinha. A pesca também tem um papel relevante sendo a sardinha, a corvina e as cracas ( pequenos caranguejos ) o que se come mais. Ja passou o tempo do caju e do tomate, agora a cenoura e o repolho sao escassos e ha em abundancia mancarra (amendoim), milho e mandioca. A base alimentar de todo o povo é a bianda - arroz. Apesar de ser o cereal mais cultivado a maioria daquele que se come e se comercializa é importado da China e do Vietname. A qualquer altura do dia se pode comer arroz por aqui. Eu vou experimentando os sabores... Com jeitinho preparando um ou outro prato... Conhecendo os cheiros, as texturas, imaginando...

Nò bai...

Regresso para Bissora... Cabe sempre mais um...

A paragem em Ziguinchor

Salifo, eu e Margherita no rio Casamance

Esvoaçante companhia

Eu, Djoji e Margherita antes de embarcarmos na canoa

O destino escolhido tinha como nome Varela. Segundo fontes seguras a melhor praia da Guine-Bissau. Para la chegar teriamos de ir de Bissora a Bula, passando por S. Vicente, Ingoré e S.Domingos. Algo como uns cento e qualquer coisa Kms. Assim apos o nascer do sol nò bai...

Até S. Domingos tudo muito bem. Mais buraco menos buraco, mudança de carro em Ingoré, de uma carrinha de transportes pequena para um furgao de 25 pessoas, a estrada continua. Em S. Domingos a jornada complica-se. A estrada para Varela esta em mas condiçoes e durante a época das chuvas, a que estamos curiosamente, so existem 2 camioes que vao para la. E o segundo partiu quando colocamos o pezinho fora do furgao...

E agora? Djodji tem um amigo em S Domingos: Ibo Tchaman. Ele vem ter connosco, apresenta-se sorridente e tenta negociar com as gentes da terra um transporte até Varela. Seja carro, mota, bicicleta ou até burro. A vontade de ir até ao Atlantico aceitava... Nada feito. Retidos em S. Domingos valeu-nos a hospitalidade de Ibo. Conhecemos o seu quarto, a pequena vila e passeamos ate ao rio. No dia seguinte fariamos nova tentativa em seguir ate Varela.

Na paragem depois do pao matinal concluimos que era missao impossivel chegar ate Varela. Alternativa: Senegal! Apenas a 22km e estariamos em Zinguichor. E è cumà? Nò bai? No bai!

Passa fronteira, sai do carro, muda-se o idioma para o frances e ate a estrada é de asfalto. Começa assim o Senegal. Ziguinchor é uma das maiores cidades do sul do pais, tem universidades, um porto comercial importante e infraestruturas relativamente melhores que a vizinha Guiné. Mais uma vez a sorte soprou-nos. Salifo "convida-nos" para um passeio de canoa pelo rio Casamance. Negociado o preço embarcamos. Nao tivemos praia mas um passeio pelo rio era uma bela recompensa. A dada altura passamos por um delicado micro-ecossistema habitado por pelicanos e outros voadores. Uma alegre algazarra entre ramos pintados de branco. A agua chamava por nos e perante o sabio consentimento de Salifo mergulhamos. Muito, muito bom...

You, me and him...

@Ana

Cada um pela sua mao e pela sua cor.
Suamos, rimos, planeamos e tentamos fazer melhor.
Num pequeno corredor ficou o nosso perfil.
A nossa singela marca.



Por esta partilha... obrigado.

Até...

@Ana


Lembro-me do pacote de bolachas Belgas. As simples sempre guardadas num armario para quando la iamos sabado de manha. Gosto de Belgas e biscoitos desde ai, de tao cedo. Nessas manhas la estava na sua cadeira, esperando por nos, lendo a Maria ou vendo a missa na televisao. As vezes dizia-me "tens de ter paciencia" ou "porta-te bem para o menino Jesus te trazer prendas no Natal". Gostava de falar, de contar as suas historias e recordar quem com ela partilhava a vida.
Os seus lenòos de pano, as suas plantas, as almofadas, o xaile e as fotografias de toda a familia que a acompanhavam na sala e mostravam como cresciamos. A casa pequena que se enchia na manha de Natal. Juntavamo-nos todos a sua volta, rindo e, inconscientemente, agradecendo ao calendario a oportunidade de sermos uniao. Depois os mesmos beijos ternos e tranquilos.
Do que fica e guardarei perdura a generosidade, a alegria transmitida em geraçoes e a força de quem nao se rendeu ate ao ultimo suspiro. Fica em nos a memoria.
Por aqui a sua terminou. Agora voa e olha por nos...

...Para sempre, avo Noemia

Sabi...

Andar a pé. Sentir a pele presa ao solo e mudar nele. A chuva que cai e cala. Os rios que não acabam. As correntes que definem os rumos. Acordar com o sol, com bichos que não conheço. Aceitar. Sorrir. Falar. Parar para escutar. Entrar e sentar. Partilhar a comida na constante oferta. Os dias que não se contam, que fogem, a terra que espera mais suor. Os frutos que se colhem longe. As ideias, a cultura, a língua. Quente, quase nada de frio. O pão. Saborear o ovo porque é um ovo e sabe a ovo. Beber chá no adeus das estrelas. Pintar, desenhar, descobrir. Que sou no outro, no próximo dedo que estico, nas marcas que a roupa vai guardando. O poder de pensar de novo, no mesmomas de outra forma. A vontade espontânea nas simples acções. Procurar. O fim de tarde na ponte. O lixo. A cor. Dos tecidos, da pele, dos campos de arroz. Branco. Preto. O olhar enorme. A madeira para o homem, a enxada para a mulher. O caju, a manga, o amendoim. As palmeiras a abrigarem os pássaros. O céu. O azul que é elipse. A generosidade. Música em intervalos. Velas. Carvão nas costas, dinheiro na mão, filhos na espera. A casa arrumada e a toalha na mesa. Os meus rituais. O café, o chapéu, a rede mosquiteira. Os rins que pedem descanso. O caderno riscado. Moringa. Quem resiste e quem se rende. O lume. A mochila aberta...

Céu...

Passeio de canoa pelo rio Mansoa

A trabalhar à luz da vela

Qualidade de vida na minha rede!


Aqui o céu não acaba. Para onde quer que vá segue-me sempre a mesma companhia. E no passeio do rio vejo como as cores se abraçam umas nas outras, como as formas respeitam uma harmonia natural, como a água se aproxima da terra e a terra do céu. Viajo na presença constante, parte dos dias que comigo vão e vêm. Espreguiço-me nesta alegria...
O meu chapéu adormece na esquina da cadeira e eu sinto vontade de escrever. Experimento uma vida escassa em utensílios e acessórios. Não lhes sinto a falta. Sobram-me momentos mágicos que se vão repetindo cada vez mais. Vou-me conhecendo e na subtileza do agir e do estar as respostas aparecem. Não há pressa. Reparo agora no que antes me fugia diante dos olhos. Lá vou crescendo, mudando e construindo dia a dia a segurança de SER! Feliz, ansiosa, trapalhona, sonhadora, obstinada, imatura, humilde e... o que não é preciso definir ou tentar classificar. Eu. Sonho com mais e com melhor! Sonho com vocês. Sonho e sonho e sonho!
E amo... Cada vez mais... a liberdade!

Lumo...

Eu e a Dionísia na nossa banca de venda

O local onde se vendem os porcos e as cabras

Aqui reina o plástico e o alumínio

Pessoas, carros e produtos tudo condensado em sonora azáfama

Todas as sextas-feiras em Bissorã é dia de Lumo (mercado). É sem dúvida o dia mais animado da semana e aquele em que se vê de tudo e se pode comprar quase tudo. Durante os outros dias o espaço onde decorre o mercado está mais vazio, menos sujo e mais silencioso. Porém no final da semana lá chegam as mulheres com os alguidares à cabeça, os carros que, além das pessoas, trazem sacos de carvão, lenha, cabras, malas com roupa e tudo o que for possivél. Das tabancas vêm as crianças, gigantes guerreiros, montadas nos carros de burro para se abastecerem de mantimentos. O mercado traz gente de todo o lado, desde Bissau até do Senegal e Guiné-Conacry. É um mundo à parte. As pessoas gritam e sorriem enquanto tentam vender as suas coisas. Há quem se prepare especialmente para este momento já que é a grande oportunidade comercial de toda a semana. Eu sempre gostei de mercados e este é sem dúvida especial e diferente. Ainda para mais neste dia em particular em que me tornei vendedora e fui, por um dia para já, humilde comerciante a tentar vender o meu produto.
Mas passando a explicar...
A ADPP promoveu há uns meses dois seminários sobre transformação de frutas (cajú, manga, cabaceira, alfarroba e ondjo) entre as mulheres horticultoras de forma a que estas pudessem rentabilizar o produto das suas colheitas. Assim foram ensinadas a fazer compotas, marmeladas e sumos a partir das frutas referidas. O objectivo é o seu reaproveitamento em outros produtos que podem ser igualmente vendidos e cujo prazo de validade é maior. O resultado desse seminário foi a produção de compotas de manga (maravilhosas por sinal e que têm sido parte fundamental do meu mata-bicho), cajú, alfarroba e cabaceira, calda de tomate e sumos de cajú e ondjo. Finalizada a produção os frascos foram entregues para a escola da Ajuda às crianças para que os seus animadores pudessem fazer a sua promoção e posterior venda. Até agora as compotas estavam perdidas num armazém e foi graças à visita da embaixada francesa que se começou a pensar seriamente em vender estes produtos. Juntamente com Margherita e 3 alunos de comércio da Escola Vocacional da ADPP lá organizamos tudo. Os alunos Laurinda, Dionísia e Francisco fizeram os cartazes e nóes seleccionamos as compotas e sumos para vender. Gean ajudou a limpar as mesas e as cadeiras e a carregar o material. E assim foi, lá fomos nós feitos verdadeiros feirantes vender para o mercado! A localização era óptima: na estrada principal que dá até Bissau e onde sempre passam pessoas, no início do mercado e um pouco afastados da confusão principal.
"Estaminé" montado, vá de promover o produto:

" Bin bin jubi nosso produto. I natural i sabi. Aki tudo tem, tudo sabi.
Bin sinhora tissi uma compota! Manga di barato e nos patin um sumo pikeno na cumpra de dus compotas de 1l!"
( Venham ver os nossos produtos. São naturais e saborosos. Aqui temos de tudo e é tudo bom. Venha senhora e tome uma compota. Muito barato e nós oferecemos um sumo pequeno na compra de duas compotas de 1l. )
Depois de muito sol, um valente escaldão, uma sandes de pão com chocolate e outra com ovo, dois sorvetes de ondjo, promoção de chapéu em chapéu e loja em loja o saldo é claramente positivo! Vendemos mais do que estávamos à espera e visto que era um protduto novo na "praça" correu bastante bem. Daqui para a frente é tentar vender mais e colocar as compotas no comércio local. Se a sorte nos ajudar quem sabe se a venda não se prolongará até ao enorme mercado Bandim em Bissau! Eu adorei a experiência e para os alunos de comércio foi uma actividade que lhes proporcionou uma aprendizagem prática que lhes servirá de certeza num futuro próximo.

Crocs invadem a Guiné...

Do armazém para a organização na rua


Colocar os pares certos e em grupos para se distribuirem depois

Chefes de um agrupamento de mulheres horticultoras que vêm recolher os seus sapatos

Cores, tamanhos e formas tudo numa viva confusão

Teresa, Bebé, Margherita e eu a trabalhar arduamente...

Se há algo que não existe neste "trabalho" até agora é monotonia. Há sempre coisas por fazer e novidades ao espreitar de um armazém, neste caso. Directamente da Holanda para Bissau e de Bissau para Bissorã aí estão eles: os Crocs! Esses modelos cómodos, coloridos e de plástico... A sua produção em larga escala na China e, certamente, um vantajoso acordo diplomático entre a empresa produtora e a ADPP permitiu que cerca de 3 mil pares destes sapatos fossem distribuídos por toda a região de Bissorã. Foram contemplados 4 grupos principais: Agrupamentos de Mulheres horticultoras, Famílias de diferentes tabancas (pequenas vilas situadas no meio dos campos), encarregados de educação e alunos que estudam nas escolas da ADPP. Claro que cada funcionário da escola e da ADPP ficou com o seu par. Tudo começou por gigantes sacas que se acumulavam há alguns meses nos armazéns da escola. Tiradas as sacas vá de contar e separar muitos e muitos sapatos, fazer listas de nomes um tanto ou quanto estranhos ( Segunda N'Gonda, Cumba Tchuda, Malam Sanha, Quinta Iála, Bintá Camara... só para exemplificar) e tentar organizar o melhor possivél a distribuição. A partir da escola os pares eram levados para as tabancas pelo Gastão ou então as próprias mulheres ou chefes de famílias vinham buscá-los. E lá iam as sacas novamente, em cima de bicicletas ou na mota.

Divertido e cansativo.

Muita cor e muita confusão.

Muitos sorrisos e satisfação de quem recebia algo novo.

Como se diz por aqui: "Manga di sapatos ki nos tissi gosi!" ( Muitos sapatos que nós temos agora)

Antes e depois...






Quando cheguei à escola da ADPP - Ajuda às Crinaças esta era uma das salas de aula, a da 4ª classe nomeadamente. Mais conhecida como "a barraca" tinha um telhado feito em palha, as paredes a cair e o seu interior era escuro e poeirento. Após um mês e algo de árduo trabalho eis que surge uma renovada e bonita sala de aula. Deitaram-se paredes e telhado abaixo, limpou-se o chão, ergueram-se de novo as paredes e o telhado é agora feito de placas de zinco. Entre todos, Bebé, Lamini, Fevra, Teresa, Margherita, Adolfo e eu, foi possivél transformar a velha palhota numa sala de aula de aula de verdade. Agora só falta terminar a pintura do quadro e rebocar um pouco a parede na parte de fora. Ainda me lembro de quando uma das paredes caiu, era o princípio da mudança! Adolfo, velho carpinteiro desdentado e sorridente, pendurava-se entre as tábuas de sibi do telhado para as arranjar. Os pedreiros Lamini e Fevra sentavam-se à espera do mata-bicho enquanto eu ia varrendo, varrendo e varrendo. Depois do santo pão lá começavam a trabalhar. Margherita e Teresa pintaram as paredes e colocaram os bancos. Está quase!
Já imagino a criançada a correr até à nova sala...